quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Estou Voltando!

Saudações!

A longa Era das Trevas está chegando ao fim...

Em breve postarei novos conteúdos!

Abraço!

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Post 000019

Quando percebeu os tentáculos o envolvendo e puxando para baixo, o cientista ficou tão assustado que sua mente científica esqueceu por instantes a coerência e ele começou a debater-se furiosa e inutilmente, na tentativa de escapar do abraço alienígena. Só depois de esgotar suas escassas forças é que começou a raciocinar logicamente.

Ele nunca havia enfrentado seres hostis em sua vida, por isso demorou a lembrar-se de que o traje estava preparado para esta eventualidade. Quando resolveu apertar a tecla de ativação do campo elétrico externo do traje, já estava dentro do estômago da criatura.

O campo elétrico defensivo foi ativado. Ao redor do traje, surgiu uma camada de eletricidade com uma característica paralisante que atingia o sistema nervoso do adversário que entrasse em contato com ele. O estômago da criatura parou de se contrair ao redor do cientista, na tentativa inútil de digerir o corpo protegido pelo traje de ribélio.

Mas de que adiantava isso agora? O ideal seria que o campo elétrico fosse ativado enquanto estivesse ainda preso pelos tentáculos. Eles seriam paralisados, permitindo que o cientista, então livre nas águas do lago, escapasse tranquilamente.

Desligou o campo. Agora precisava abrir caminho através do corpo da criatura. Não se sabia a extensão nem o formato do corpo do monstro, e menos ainda que dificuldades surgiriam no processo de tentar sair dali. Talvez não passasse de uma “tentativa” de saída.

No entanto, como que simplesmente para contrariar seus pensamentos, agora sempre propensos ao pessimismo, pelo menos isso acabou se mostrando mais fácil do que esperava.

O corpo da criatura tinha perdido toda a rigidez, e o cientista conseguiu passar através do mesmo caminho pelo qual entrara, ou seja, o tubo que ligava a boca ao estômago, um canal antes estreito que agora estava largo e sem elasticidade.

Do lado de fora, o cientista viu que a boca pela qual entrara e saíra era uma cavidade oval perceptível em meio à areia do fundo do lago, e os tentáculos, agora imóveis, saíam diretamente do solo arenoso. Isso significava que, se a criatura ficava enterrada debaixo da areia, era porque existiam outros seres dentro do lago, que para serem capturados precisavam ser surpreendidos. Ou talvez a criatura se escondesse por temer alguma outra criatura que vivia no lago. Nesse caso, ela certamente seria ainda mais perigosa para o cientista que o monstro tentacular.

De qualquer forma, havia outros seres habitando aquele lago, e ele não desejava encontrá-los tão cedo.

Saiu apressadamente da água, utilizando os microjatos, e olhou ao redor com curiosidade. Observava, agora mais atentamente, a paisagem que já havia comtemplado com enorme satisfação ao completar a descida do espaço.

Em volta do lago, assim como em toda a superfície da lua, estendia-se uma densa e exuberante floresta tropical. Árvores que chegavam a trinta metros de altura cobriam todo o solo, entremeadas por cerrados arbustos e grossos cipós. Para onde quer que olhasse, o cientista só via aquela linda e misteriosa folhagem esverdeada. De todos os lados vinham diversos e constantes ruídos. Salvação estava repleta de vida.

O cientista fechou a faixa ocular por alguns instantes, saboreando o contentamento pelo fato da lua aparentemente justificar o nome que lhe havia sido dado.

Agora restava verificar se ela realmente servia a todos os seus propósitos.

Se não servisse, o Multiverso estaria perdido.

Nesse momento, subitamente, o cientista sentiu-se erguido do solo, ao mesmo tempo em que percebia algo lhe apertando dolorosamente a cintura.

Abriu a faixa ocular e levou um tremendo susto.

Uma garra enorme, em formato de pinça, apertava sua cintura, erguendo-o do chão. A garra estava levando sua presa de encontro a uma também enorme boca, repleta de dentes pontiagudos. O dono destes horrendos pesadelos materializados era uma criatura de cerca de dez metros de circunferência, achatada e envolta por uma couraça escura e aparentemente duríssima, da qual ainda escorria a água do lago de onde acabava de sair. De dois lados da couraça saíam diversas pernas e garras, sendo que nos outros dois lados do ser-cúpula, onde não havia nem garras, nem pernas, existia uma destas bocarras assustadoras.

Pelo jeito, este era um dos motivos pelo qual o ser tentacular se mantinha enterrado na areia, no fundo do lago. Dessa vez, porém, o cientista conseguiu agir em tempo, mantendo uma relativa calma.

Antes que a garra o atirasse dentro daquela repugnante cavidade bucal, ele ativou o campo elétrico. Imediatamente a garra o libertou para ficar pendendo, paralisada, ao lado da couraça. O ser-cúpula, no entanto, não desistiu e tentou agarrar sua vítima com outra garra. Não conseguiu. Ela entrou em contato com o campo elétrico e teve o mesmo destino à anterior. Permaneceria inerte e inútil até que seu sistema nervoso periférico se recuperasse do choque paralisante, restabelecendo contato com o centro de coordenação motora do cérebro. Com a interrupção do contato com o sistema nervoso central, simplesmente não conseguia receber e reagir aos impulsos cerebrais de comando. No caso do ser tentacular, o cientista já havia atingido diretamente o sistema nervoso central, paralisando todo o organismo da criatura.

Irritado, o crustáceo gigante tentou agarrar o cientista diretamente com uma das bocas, embora ainda lhe restassem quatro garras ativas.

Só conseguiu deixar a boca também dormente.

Confuso e amedrontado, o ser-cúpula desistiu da presa e mergulhou de volta nas águas do lago. Sorte dele possuir duas bocas. Caso contrário, passaria um bom tempo sem comer.

O incidente trouxe uma lição para o cientista. Em Salvação, teria que estar sempre atento ao perigo. Estar sempre esperando pelo inesperado.

Como se isso fosse possível...

sexta-feira, 12 de março de 2010

Post 000018

Espaço sideral.

O cientista quase já não sofria qualquer influência significativa da atração gravitacional de OXI-17. O antigravitador, no momento, era desnecessário.

Os microjatos, no entanto, mesmo com força dobrada ainda levariam quase dois dias para transportar ele até o limite aproximado da esfera gravitacional de Salvação - isto é, caso ela realmente possuísse uma atmosfera. E era na aparência da lua, um azul-esverdeada com esparsos toques de branco, que o cientista depositava todas as suas esperanças.

Os produtos fabricados pelo povo-cientista sempre estavam preparados para enfrentar alguma eventualidade dentro dos limites de maior probabilidade. Tanto o antigravitador da pequenina sonda possuía a mesma potência que o do traje, como também os bocais dos microjatos podiam expelir partículas até oito vezes mais potentes e intensas do que o originalmente proporcionado pelo microrreator inicialmente fornecido. Portanto, os microjatos podiam suportar a carga simultânea de oito microrreatores-padrão – e podiam reagir de acordo com isso em forma de força ou velocidade, multiplicando-as por oito.

Por isso o cientista seria um idiota se não reduzisse à metade o tempo da viagem adicionando aos microjatos os dois microrreatores ligados ao antigravitador. A energia transferida duplicou a velocidade no vácuo espacial entre Salvação e OXI-17.

Assim que começasse a registrar uma atração gravitacional de Salvação sobre ele, o cientista deveria devolver ao antigravitador a energia roubada. Os microjatos seriam desligados e a energia de seus dois microrreatores permaneceria inativa. Não que ela não fosse útil. Seria de grande ajuda para aumentar o desempenho do antigravitador, que seria super-requisitado na tarefa de deter a queda para a superfície de Salvação, refreando a vertiginosa velocidade. Acontece que dois microrreatores simultâneos atingiam o limite máximo da capacidade total do antigravitador. Era o máximo de energia que ele podia suportar, dada sua constituição mais complexa que a dos microjatos, cuja única função era gerar e expelir força propelente.

O cientista procurou relaxar durante aquele percurso através do espaço livre entre os dois astros. Mais tarde precisaria de toda a sua calma a atenção para realizar o complicado processo de aterrissagem em Salvação.

Ele sabia que o pouso seria difícil e perigoso.

E sabia que isso talvez nem chegasse aos pés do que o esperava na lua.


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Salvação possuía uma atmosfera de oxigênio.

E através dessa atmosfera, em direção à superfície do astro, descia vertiginosamente um corpo incandescente. Durante a descida, o corpo foi reduzido gradativamente sua velocidade até alcançar a imobilidade, duzentos metros acima do solo.

Então ele começou a voar paralelamente à superfície, até parar acima de uma área circular com cerca de cem metros de diâmetro, coberta de água. O corpo mergulhou nas águas frias do lago, deixando-se esfriar. Uma espessa coluna de vapor subiu do ponto onde a massa incandescente havia mergulhado.

Momentos depois, quando a água parou de evaporar, o corpo, já resfriado, surgiu à tona e encaminhou-se para a margem mais próxima.

Todavia, antes que ele pudesse atingir a terra firme, alguns tentáculos saíram da água às suas costas, envolvendo-o.

Enrolando-se totalmente nele, o puxaram de volta para dentro da água, onde permaneceu submerso.

Alguns minutos mais tarde, a água do lago já havia se imobilizado completamente, retomando sua serenidade anterior e não deixando qualquer vestígio do acontecimento incomum ali transcorrido.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Post 000017

Num último lampejo de raciocínio coerente, o cientista decidira que, diante da morte iminente, só havia uma coisa a fazer para se salvar.

O ser-mar não era a única matéria orgânica em OXI-17. Ele próprio também era um ser orgânico. Na situação em que estava, impossibilitado de se alimentar do ser-mar, a única solução era (inspirado no exemplo daquela inusitada nova forma de vida) alimentar-se de si mesmo.

Antes de desmaiar, conseguira retirar o traje do corpo, reconectar o tubo do Alimentador ao ventre e inserir nova matéria-prima dentro do aparelho que criava plasma alimentício. E essa matéria-prima fora uma de suas mãos!!!

Olhou ao redor e avistou a faca que fazia parte de seu equipamento e com a qual amputara a mão. A extremidade do braço desfalcado mostrava um rústico curativo, meramente destinado a conter o escoamento de sangue. Se antes de desmaiar não houvesse conseguido aplicar o spray estancador na ferida, teria morrido de qualquer forma. A hemorragia faria o serviço.

E, provavelmente, fora justamente o estado entorpecido, “anestesiado” em que se encontrava ao tomar a decisão, que lhe permitira colocar a idéia efetivamente em prática. Em sã consciência, talvez não conseguisse reunir o sangue-frio necessário para se auto-mutilar.

O cientista começou a pensar no que fazer dali em diante.

O equipamento STEP fora inutilizado. Estava preso em OXI-17.

Também não poderia continuar arrancando partes de seu corpo para utilizar como alimento. O organismo não resistiria a mais alguns desses ferimentos. Além disso, de que adiantaria continuar naquilo se depois estaria totalmente aleijado?

O cientista chegou a uma triste conclusão.

Não havia realmente evitado a morte. Apenas a retardara um pouco.

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Caiu num terrível estado de depressão.

Mais uma vez tinha escapado da morte iminente, e mais uma vez ela se apresentava à sua frente, como um fato muito próximo... e aparentemente inevitável.

O cientista ainda estava cansado. Se a morte não podia ser mesmo evitada e ele não conseguia mais imaginar qualquer meio de contornar a situação, bem que poderia passar pela transição durante o sono, relaxado. Seria o mais agradável, evitando o sofrimento e a angústia das últimas horas. Além do mais, o cansaço era tanto que a vontade de dormir tornava-se quase irresistível. Diante disto e da aparente inevitabilidade do fim, manter-se acordado exigia agora uma força de vontade monumental. O único fator que o despertara pouco depois do desmaio fora a ansiedade subconsciente, inerente à mentalidade de seu povo, em conhecer os resultados de um experimento crítico (no caso, a amputação e utilização de um de seus membros como alimento). De qualquer forma, o descanso agora seria tranqüilizador, quase indispensável.

Deitou-se no solo, apoiando a “cabeça” numa parte macia do interior do traje de sobrevivência.

Vislumbrou a abóbada celeste sobre si. Observou a beleza do firmamento de OXI-17, enquanto sua visão começava a anuviar-se, vítima do sono.

Percorrendo o céu do planeta, de repente seu olhar pousou sobre um determinado ponto - no qual fixou-se.

Uma súbita descarga de adrenalina espantou o sono, e ele ergueu-se rapidamente do solo.

Ainda havia uma esperança!

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Post 000016

Sentado no solo rochoso, o cientista - arrasado e sem esperanças - esvaziou o analisador, jogando fora a amostra do ser-mar.

Estava resignado com a morte, agora pelo jeito inevitável. Ele já conseguira retardar sua chegada o máximo possível. Para tudo devia existir um limite, e talvez o de postergar o fim (de si próprio e de tudo o mais) houvesse sido finalmente atingido.

Ele tentou se levantar.

Não teve forças.

A definitiva perda de sentidos, que precederia a morte por desnutrição, parecia muito próxima. Sua mente estava nublada, confusa, e o corpo se rebelava contra seus comandos. Não conseguia pensar com clareza.

Não havia mais nada a fazer.

Então, num último lampejo, seu cérebro conseguiu trazer à tona um raciocínio coerente, antes de esgotar sua energia ativa. Apenas uma pequena fração ainda restava da inteligência, esvaindo-se, confinada no fundo de sua mente agora trôpega.

Mas tal reflexão ficou disponível por tempo suficiente para disparar um pensamento - uma ordem - que ficou então boiando na semi-consciência, esperando uma reação do corpo.

Lentamente, seus braços começaram a mover-se, obedecendo ao último comando da mente adormecida. Como um autômato, o corpo do cientista tentava fazer algo que o consciente já se esquecia. Algo que logo se tornou desvinculado do restante de sua decrescente razão.

Presa e incapacitada nos recônditos da inconsciência, que tomava conta da parte consciente cada vez mais, avançando de forma inexorável pra engoli-la totalmente e levar o cientista para as trevas permanentes, a inteligência fazia votos para que seu corpo conseguisse terminar o que lhe fora ordenado, antes que fosse tarde.

Não era apenas a sua vida que estava em jogo. Se morresse, o fim de tudo que existia poderia ser inevitável.

Por pior que estivesse, um cientista não podia se render à morte.

Em qualquer situação, sempre devia haver uma saída.

Algo ainda podia ser feito!

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Subitamente, o cientista acordou.

Havia de fato desmaiado.

Mas, contrariando toda a lógica, conseguira acordar depois!

O cérebro, ainda longe de sua melhor forma, registrou o fato e começou a se esforçar em entender seu significado.

Por algum tempo, o cientista permaneceu entorpecido, confuso - esperando uma reação de sua mente outrora aguçada, que tentava agora recuperar a firmeza após a quase-extinção.

As idéias começaram a tomar forma, e ele enfim soube o que havia ocorrido. Fizera alguma coisa que o salvara da morte, mas ainda não conseguia lembrar o que era. Seus pensamentos ainda não haviam adquirido contornos definidos, e sua mente sugeriu que a resposta estava ao seu lado, sobre a superfície pedregosa da ilha.

Abriu a faixa ocular e viu o traje protetor no chão, perto dele. Do traje saía um tubo hipodérmico que terminava sobre o seu ventre. Era o tubo do Alimentador, que estava fornecendo plasma alimentício ao seu organismo debilitado.

Mas por que tivera que despir-se do traje para realizar o processo de alimentação? E, mais importante, o que fora utilizado como matéria-prima para o plasma alimentício?

De repente, soube a resposta para ambas as perguntas.

Percorreu com o olhar a extensão dos seus braços e, estarrecido, confirmou suas suspeitas.

Em um dos braços, faltava a mão na extremidade.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Post 000015

O mar escuro era composto por células.

E as células do ser-mar alimentavam-se de outras células do ser-mar.

A natureza surpreendente de OXI–17 desenvolvera uma forma de vida auto-suficiente. Não havia outras formas de vida no planeta. Não existiam alimentos no planeta. Em OXI–17 existiam apenas as rochas e o ser-mar. Mas o ser-mar não era capaz de se alimentar das rochas. Ele era ao mesmo tempo uma só criatura e várias lutando entre si. Ininterruptamente, uma célula devorava a outra, alimentando-se com ela, para depois fragmentar-se em duas partes, que partiam para devorar outra ou serem devoradas. Este era o ciclo de vida do ser-mar. Estava sempre se alimentando dele mesmo, e não aumentava nem diminuía seu volume total.

Uma célula virtualmente comia a outra, absorvendo-lhe totalmente a massa (que era inteiramente aproveitável). Durante esse processo, a célula predadora duplicava o seu tamanho e completava seu desenvolvimento. Sua individualidade, contudo, durava pouquíssimo tempo. Ela era parte de um ser maior, mas também era, de certa forma, um ser independente, com uma limitada consciência de sim mesmo e lutando contra seus irmãos gêmeos. Depois de devorar uma célula similar (vencendo uma espécie de combate psíquico) e adquirir o dobro do tamanho original, sua curta vida individual estava encerrada. Automaticamente, seguindo os desígnios da natureza, ela se dividiria em duas partes iguais, que seriam duas novas células que não possuiriam a memória da célula-máter. Imediatamente após a fissão – ou, de certo modo, nascimento – as duas já tinham que enfrentar imediatamente suas irmãs, na luta pela sobrevivência por alguns segundos a mais. Suas oponentes também seriam recém-nascidas, e a que se defendesse, instintivamente, de forma mais rápida e eficaz seria a vencedora-mãe. Eventualmente, também, as duas células de mesma origem se enfrentavam, logo após sua separação-concepção. O tempo de vida individual das células, propriamente dito, variava de acordo com a duração do primeiro e último combate psíquico que enfrentavam – ou seja, segundos.

Essa curiosa e singular forma de vida, realmente inédita, constituía a personificação de um dos maiores desejos do povo-cientista (naquele momento e por razões nada científicas, claro, principalmente do cientista quase morto de fome que estava preso em OXI–17). Ou seja, ser uma criatura auto-suficiente em matéria de alimentação. Um processo onde não havia respiração, ingestão, metabolismo, excreção ou queima de nutrientes para geração de energia. Claro, precisava existir um combustível para o processo, mas a solução para este mistério seria certamente um mecanismo ainda desconhecido para o povo cientista, que atualmente julgava já ter decifrado quase por completo os meandros da biologia. Mas uma coisa agora parecia evidente – a fonte de energia que permitia às células se digladiarem com fusões e cisões deveria estar diretamente relacionada às emissões energéticas que se originavam no planeta, afetando o sobreespaço (causadoras da pane nos equipamentos do cientista e subseqüente explosão que causara sua queda). Seria fascinante investigar a fundo o mecanismo da natureza que tornara tal inexplicável fenômeno possível, decifrando a forte que sustentava a biologia do ser-mar em sua inusitada existência. Seria aquele o caminho para a receita da imortalidade?

A forma excepcional pela qual o ser-mar se mantinha vivo não ofereceria empecilho algum para o cientista produzir nutrientes em seu alimentador, utilizando uma porção dessa matéria orgânica como matéria-prima para converter em plasma alimentício.

Se não fosse por um fator. Um terrível fator.

O analisador não conseguiu descobrir qualquer forma de matar as células sem tornar o alimento impróprio para o consumo. E para o plasma alimentício poder ser utilizado pelo cientista, seria absolutamente indispensável que estas células estivessem mortas.

As células do ser-mar, vivas dentro do organismo indefeso do cientista (ou de qualquer outro ser), iriam atacar com sua energia psiônica as células originais do indivíduo, matando-as. Mesmo que, por incompatibilidade genética, não lhes fosse possível se fundir à célula estranha, absorvendo-a, elas continuariam atacando, enquanto se espalhavam como um câncer, destruindo órgão após órgão até a falência das funções vitais.

Ou seja, o ser-mar não lhe servia como alimento.

E era o único material orgânico em OXI–17.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Post 000014

Ao recobrar a consciência, o cientista se viu cercado pela completa escuridão. Sentiu de imediato a fraqueza da fome, mais intensa do que nunca.

Esforçou-se para movimentar o corpo, percebendo algo que o despertou completamente. Estava mergulhado em uma substância viscosa, um liquido muito grosso que dificultava enormemente seus movimentos.

Ele havia desmaiado porque o esforço emocional exigido pela situação desesperadora fora demais para seu estado debilitado. Escapara por muito pouco, exigindo o máximo de seu corpo e mente – somente para, ao acordar do desmaio, se ver novamente em dificuldades.

Por mais que se debatesse – ou “tentasse” se debater – não conseguia, ao menos aparentemente, sair do lugar.

Mas de que adiantaria tentar se movimentar naquela substância, se não sabia nem mesmo onde era em cima ou embaixo? Se conseguisse avançar, como saberia que a direção escolhida o levaria a superfície? Talvez acabasse se aprofundando ainda mais naquele liquido viscoso.

Aquela viagem ao Microverso estava sendo muito mais difícil e perigosa do que poderia ter imaginado.

Tinha uma enorme e vital tarefa a cumprir – e nem ao menos conseguia se manter vivo sem complicações.

“Só espero” – pensou o cientista – “que o maluco responsável por tudo isso esteja em situação muito pior”.

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A sonda retornou depois de algum tempo. A duração de sua ausência significava que ela não havia encontrado nada além da substância misteriosa numa extensão de 100 metros. O cientista renovou o programa da sonda e a enviou em outra direção, baseado nos resultados anteriores. Esperava que ela encontrasse a superfície e lhe indicasse a direção.

Desde o inicio daquele procedimento ele permanecia completamente imóvel, tanto por reconhecer a inutilidade em se debater dentro daquela espécie de piche, como por ser a imobilidade agora algo vital para o sucesso de seu estratagema.

Todos os instrumentos detectores e analisadores da sonda estavam desligados, e toda a energia do microrreator da mesma estava dirigida apenas aos seus dispositivos de antigravidade e propulsão. Isto era necessário para que ela pudesse se movimentar através daquele ambiente viscoso, que gerava uma atração de aproximadamente 2g.

Pela densidade do material em que estava imerso e pela força gravitacional à qual estava agora submetido, o cientista calculou estar em torno de 50 metros abaixo da superfície. Por segurança, programara a sonda para percorrer sempre 100 metros em linha reta antes de retornar.

Visando ter energia suficiente para se locomover naquele ambiente desfavorável, a sonda não poderia utilizar o seu registrador de índice gravitacional. Mesmo o registrador de consumo energético estava desativado. Com esse aparelho funcionando, a sonda poderia registrar um aumento ou uma redução do consumo energético do antigravitador, caso se afastasse ou se aproximasse da superfície do planeta, respectivamente. Se a sonda registrasse uma redução do consumo, significaria que a gravidade à qual estava submetida era menor do que a do ponto de partida, ou seja, estava se aproximando da superfície, do ambiente livre daquela espécie de piche. Se a sonda, porém, registrasse um aumento do consumo, que já era quase de 100%, estaria se afundando mais naquele “liquido”. De qualquer forma o cientista saberia qual seria a direção correta a seguir para sair daquele lugar.

Contudo, precisando utilizar cada fração de energia disponível para conseguir simplesmente se movimentar, a sonda tinha que dispensar todos os sensores, inclusive os registradores de índice gravitacional e de consumo energético. A sonda estava, portanto, “cega, surda e muda”.

Então, o que faria o cientista para saber a direção da superfície? Não seria seu estratagema inútil?

Não. Não era inútil.

Ironicamente, a própria falta de instrumentos, a “cegueira” da sonda, é o que permitiria agora ao cientista determinar a direção da superfície, Claro, com os sensores tudo seria mais simples e seguro, mas eles não podiam mesmo ser utilizados.

A sonda estava com o detector gravitacional e o registrador de consumo - que também serviam como controladores de potência - desligados. A conclusão era óbvia.

Com a capacidade máxima de impulsão e incapaz de avaliar a força gravitacional à qual estava submetida, quando a sonda se aproximasse ou saísse para a superfície, algo iria mudar: sua velocidade aumentaria. A capacidade máxima, no momento suficiente apenas para locomovê-la a 10m/s sob gravidade de 2g, numa gravidade menor faria com que o deslocamento fosse muito mais rápido (já que o registrador de índice gravitacional, inativo, não cumpriria uma de suas principais funções, que era controlar – no caso, reduzir – automaticamente a potência do microreator, para manter constante a velocidade da sonda).

Caso a sonda se aprofundasse mais no liquido, não tendo mais fontes de energia às quais recorrer (pois os aparelhos estavam na regulagem máxima), não conseguiria prosseguir e retornaria imediatamente após avançar poucos metros. Isso porque apesar de avançar a favor da atração gravitacional, estava programada para anular essa força, que cresceria além da capacidade do antigravitador.

Se o registrador de índice gravitacional estivesse funcionamento, a sonda simplesmente utilizaria a atração como propulsão para prosseguir no deslocamento. Detectaria o incremento natural a favor da direção de seu deslocamento e desativaria o antigravitador, mantendo o aparelho propulsor como base.

O cientista possuía, portanto, dois valores seguros para alcançar seus objetivos.

Se a sonda seguisse paralelamente à superfície, avançando e retrocedendo os 100 metros, retornaria em 20 segundos. Se descesse mais, em 4 segundos estaria de volta.

Portanto, se ela partisse em direção à superfície, voltaria em um intervalo de tempo intermediário entre estes dois valores. Assim, o cientista poderia descobrir a direção desejada, conforme as variações do tempo que a sonda demorasse para retornar até ele.

Descobriu a direção em que a sonda retornava em quatro segundos. Ela ficava sobre a sua cabeça.

Enviou a sonda diversas vezes na direção dos pés até descobrir o ponto em que ela retornava mais rapidamente até ele. Então, fixou nela um cabo de ribélio que fazia parte do equipamento do traje.

Conservando na sonda a potência máxima, programou-a agora para que seguisse continuamente na direção desejada, até que ele desse o sinal de retorno pelo controle remoto. Felizmente, a programação da sonda era realizada através de uma linha especial de radiocomunicação. Seria impraticável qualquer trabalho manual mais complexo, dentro daquela escuridão total e impenetrável por qualquer lanterna ou holofote. Aquele material denso no qual estava mergulhado constituía-se em uma barreira física que impedia a passagem de fótons.

O cientista prendeu a outra extremidade do cabo em uma argola que havia no pulso do traje protetor. Então deu o sinal de partida para a sonda. Ela seguiu imediatamente na direção escolhida, e durante alguns tensos segundos o cientista ficou sentindo o cabo desenrolar-se em suas mãos.

Ele não sabia de onde estava conseguindo forças para executar tais procedimentos, imerso naquela substância que atrapalhava seus movimentos e em vista do estado de extrema fraqueza em que se encontrava. Talvez aquela última reserva de energia recentemente despertada com a descarga de adrenalina durante a queda em direção a OXI-17 ainda não houvesse se esgotado, afinal.

Quando o cabo se esticou, o cientista levou um leve tranco, começando involuntariamente a executar um giro de 180 graus dentro do líquido.

Se a sonda tinha força suficiente para puxá-lo, então forçosamente devia agora já estar sob uma gravidade bem inferior a 2g – ou seja, ao ar livre.

Ele começou a subir bem lentamente, içado pelos aparelhos antigravitacional e propulsor da pequenina sonda. Logo, impaciente graças à debilidade física e mental, cometeu um gesto inconsequente, algo arriscado e desnecessário. Retirou uma das três mãos que seguravam no cabo e ligou os microjatos propulsores do traje, que ainda contavam com os dois microrreatores adicionais. Agora que estava na direção certa, imaginou que aquilo ajudaria, acelerando a subida.

Sua velocidade de ascensão de fato aumentou. O traje de ribélio não corria perigo com a energia represada pela substância viscosa que o cercava, mas o cientista se arriscava a perder o equipamento propulsor. Com os bocais dos jatos entupidos pelo líquido espesso, poderia ter ocorrido uma implosão. Felizmente, a força das emissões de partículas em alta temperatura foi suficiente para calcinar imediatamente a matéria que bloqueava os bocais de saída dos jatos.

Após alguns minutos de enorme expectativa, o cientista saiu abruptamente para a luz do sol. Ofuscado, mas muito aliviado, demorou alguns instantes para se adaptar à claridade e lançar um olhar ao redor.

Desligou os jatos e trouxe a sonda de volta. Estava tão aliviado que mal conseguiu evitar um desmaio por esgotamento psíquico. Ele precisava encontrar comida dentro de poucas horas. Se perdesse os sentidos agora, talvez nunca mais acordasse.

Viu que estava no meio de um mar. Num raio de aproximadamente 10 metros à sua volta, a substância viscosa apresentava-se negra, provavelmente afetada pelo calor que ele emanara quando, incandescente, mergulhara do céu naquele ponto. Após esta circunferência negra, o mar viscoso assumia uma coloração marrom.

Ao longe o cientista avistou uma pequena ilha rochosa, sobressaindo solitária em meio àquela paisagem monótona.

Permanecendo presa ao cabo que a ligava ao traje, a sonda, ainda regulada na potência máxima, recebeu uma ordem para seguir na direção da ilha. Sem dificuldades, o cientista foi rebocado pela sonda com o auxílio adicional dos microjatos do traje, até chegar à estéril formação rochosa. Ele agarrou-se às pedras do litoral, desativou a sonda e os jatos e, com algum esforço, conseguiu se arrastar para cima da ilha, saindo do mar escuro. Deitou-se sobre as pedras, exausto.

Sentiu vontade de dormir, uma vontade quase irresistível. Estava muito, mas muito cansado mesmo. Dois dias sem dormir, aliados ao esforço físico-psíquico das últimas horas e à fraqueza provocada pela fome o deixavam no auge da exaustão.

Começou a pegar no sono. Como ansiava por um pequeno descanso! Apenas para relaxar um pouco e recuperar as forças... tão cansado...que mal havia num pequeno cochilo?

Tão relaxante... gostoso... necessário... tão... t...

Não!

Levantou-se do chão com um salto, apavorado. Às portas da morte, quase havia dormido! Poderia ter sido o sono definitivo!

Procurou clarear o raciocínio embotado. Em hipótese alguma poderia dormir agora. Não antes de se alimentar.

Se dormisse, dificilmente acordaria. Seria o fim.

Desprendeu a sonda do cabo e mandou-a localizar as formas de vida que ela havia detectado antes da sua trágica queda em OXI-17. Agora com todos os sensores reativados, ela retornou após apenas alguns segundos percorrendo as redondezas. Sequer saíra do campo de visão do cientista, que estranhou o ocorrido – afinal, não se avistavam quaisquer indícios de vida, sequer vegetal. O enfraquecido analista estudou ansiosamente os resultados.

Em toda a redondeza vasculhada, somente em dois pontos a sonda não detectara vida: na área negra do mar, onde o cientista mergulhara, e, com exceção dele próprio, na área ocupada pela ilha rochosa. Fora isso, a sonda registrou emissão de pulsos orgânicos por toda parte. Eles não se movimentavam e não podiam ser focalizados, estavam em todo o mar escuro.

O cientista raciocinou um pouco – agora já com certa dificuldade, diga-se de passagem.

Aquela vida não estava em todo o mar.

Era o próprio mar.

Aquela substância escura e viscosa, na qual há pouco estava imerso, consistia em uma exótica forma de vida. Provavelmente, era o único habitante e o dono absoluto de OXI–17. Não era como os mares de outros planetas, que possuíam microorganismos em abundância misturados com o líquido. A sonda, em sua atual programação, não registraria isso como forma de vida. Aquele mar era um único ser, evoluído e fragmentário, sem coesão.

O cientista foi até a margem da ilha e colheu uma amostra do mar. Colocou a amostra no analisador do traje, ligando-o.

O resultado foi decepcionante.

Mais que decepcionante, completamente desesperador.

E o cientista já se considerou um indivíduo morto.

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